Na Mata Nacional do Buçaco, o cheiro da natureza em estado puro, os pássaros que chilreiam despreocupados, as figuras em barro que espreitam de dentro das capelas da Via-Sacra ou a água fresca que escorre das fontes constituem um património que se complementa e enriquece cada visitante.

O Buçaco faz parte das minhas memórias de criança. Desde sempre que me lembro de passar no Luso quando ia visitar os meus tios. Achava-o assustador, pela suas casas singulares, especialmente a das “bruxas”. Contava-se que ninguém conseguia lá dormir com os barulhos durante a noite. Quando lá passava, abria o vidro e chamava-as, destemida pela segurança da distância. Mas o que gostava mesmo era de passar no Buçaco. Havia sempre gente que fazia neste local uma paragem. Quem é da Beira sabe o quanto era apetecível para os famosos passeios domingueiros e o Palace Hotel do Buçaco o lugar onde muitos recém casado passaram a primeira noite.
Quando há poucas semanas regressei à Mata Nacional do Buçaco, após tantos anos de ausência, deparei-me com uma abordagem diferente. Entrar a pé é gratuito mas de carro requer um pagamento adicional. Há locais próprios para estacionar e os vendedores ambulantes de que ainda me recordo também já não existem.


Começo pelo Palace Hotel do Buçaco, em estilo neomanuelino, que merece uma visita demorada ao exterior (o interior está reservado aos hóspedes), sem esquecer o jardim de buxo. As roseiras e glicínias estão despedidas de cor mas na primavera tornarão o espaço ainda mais bonito.
Regresso ao Convento de Santa Cruz, onde o Duque de Wellington pernoitou após a Batalha do Buçaco. Num ambiente extremamente húmido, as portas e tetos forrados a cortiça permitem um conforto raro neste tipo de local.


No entanto, para sentir a verdadeira natureza em silêncio o melhor é ganhar coragem e fazer um ou os vários trilhos devidamente assinalados. Existem quatro: o militar, da água, floresta relíquia ou via-sacra, sendo este último o mais longo e difícil. No posto de informação oiço um casal dizer:
– Para cima ainda fomos a pé mas felizmente conseguimos uma boleia no regresso. Estávamos realmente cansados.
Eu optei por me “perder” pelos caminhos sem ter em conta grandes indicações. Queria apenas trazer ao presente memórias com muitos anos, como a tarde em que subi a escadaria monumental com o meu irmão, o piquenique junto à Fonte Fria, o ir de mão dada com o meu pai ao Lago Grande ou o gelado que comi em frente ao jardim no regresso da maternidade aquando o nascimento da minha prima Joana.


Criei novas memórias nos trilhos tapeados de folhas amarelas e castanhas, iluminadas por um ou outro raio de sol quando consegue atravessar a cerrada vegetação. O cheiro da natureza em estado puro, os pássaros que chilreiam despreocupados, as figuras em barro que espreitam de dentro das capelas da Via-Sacra, a água fresca que escorre das fontes constituem um património que se complementa e enriquece cada visitante.

Termino na Cruz Alta, o miradouro onde a vista se estende por quilómetros e se observa a enorme massa de floresta queimada que devastou a região nos últimos tempos. Levar esta imagem de destruição após um dia na Mata Nacional de Buçaco seria um contrassenso. Desço devagar a escadaria, deixando-me abraçar pela beleza do adernal que lembra um ambiente cénico. A densidade da vegetação é tanta que me esqueço onde estou. É um lugar único no mundo.

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