Surge em estado bruto mas após polido, transforma-se numa pedra ornamental de grande nobreza. O mármore português, também conhecido como ouro branco, é dos melhores do mundo.

Quando visitei Vila Viçosa pela primeira vez reparei que a paisagem era fortemente caracterizada por um conjunto de gruas, a lembrar as explorações de petróleo. Sabia da sua estreita relação com o mármore e já de regresso a casa, resolvi espreitar uma pedreira desativada. O abismo era assustador e o impacto foi tão forte que aquela imagem ficou-me todo este tempo na memória. Mas o medo quer ser conquistado e quando no fim do ano passado regressei a Vila Viçosa marquei uma visita guiada. À hora combinada encontro-me com o Luis Martins no Terreiro do Paço. Feitas as apresentações, é dada uma pequena introdução, explicação das normas de segurança e distribuição dos capacetes e coletes refletores.

Não é marketing barato afirmar que o mármore português é do melhor do mundo e o mais cobiçado é o cor de rosa. É de tal forma especial que quando é polido fica translúcido, deixando-se atravessar pela luz. Por ser abundante em vários concelhos alentejanos, é usado num sem número de construções mas Luis Martins destaca três: a fonte das bicas, em Borba, o Paço Ducal de Vila Viçosa e a torre de menagem de Estremoz.
Antes da crise chegar, as cidades que viviam da exploração do mármore empregam um vasto número de pessoas: os homens trabalhavam nas pedreiras e fábricas e as mulheres faziam tarefas menos duras, como a seleção do mármore. O trabalho era muito à base da força humana mas hoje há pouca gente nas pedreiras. As máquinas fazem quase tudo.
Havia, contudo, um maior risco de a pedreira não ser viável. Sem as tecnologias que hoje existem, era uma incerteza o que se iria encontrar. Começava por se limpar o terreno e ia-se escavando. Só a partir de alguns metros de profundidade é que se começava a detetar o mármore mas isso não garantia nada. Era necessário atestar a sua qualidade. A visita à Pedreira do Mouro, hoje desativada, é um bom exemplo. Olhando para a encosta é perceptivel que o mármore está muito partido, o que inviabilizou a continuidade da exploração.

Há muita água subterrânea e como não é bombeada, acaba por se criar um pequeno lago. É junto dele que tenho a noção da profundidade. Descemos cerca de 70 metros e debaixo de água é provável que estejam mais uns 15 metros. Olhando para cima, sinto-me pequena. É uma imensão de silêncio com uma ou outra ave de rapina a fazer-se notar.

Para perceber toda esta transformação do mármore, seguimos para uma fábrica. Há uma pequena plataforma que permite espreitar a exploração. É bem mais profunda que a Pedreira do Mouro e o medo faz-me recuar.

Dentro da fábrica o barulho é insordecedor e todas as explicações são dadas no exterior. Começo por ver o grande bloco de mármore a ser cortado com o fio de aço com partículas de diamante sintético. Já no interior cruzo-me com empilhadores e observo a linha de transformação. O bloco em bruto inicial resulta num bonito ladrilho polido. Quase a totalidade tem como destino a exportação, em especial países do Médio Oriente e China.

Numa boa perspectiva, do que se tira de uma pedreira apenas se aproveita 15%. Há muitas perdas, seja no desmonte (separação do bloco da pedreira), seja no corte já na fábrica. Isso leva a que haja um enorme desperdício e posterior acumulação em cemitérios de escombros, que são também verdadeiros miradouros. A paisagem envolvente lembra outro planeta, repleto de pequenas crateras.

Regresso ao ponto inicial, agora com uma visão completamente diferente sobre esta pedra tão nobre. Defronte do Paço Ducal, olho-o de outra forma e parece-me ainda mais bonito. É tempo de me despedir do Luis Martins, que transformou esta visita num momento de aprendizagem. A sua paixão genuína pelo Alentejo, pela história e tradição é contagiante. Bem disposto por natureza, transmite uma enorme emoção e gosto por estas visitas. Não se limita a mostrar uma pedreira e uma fábrica. Contextualiza-as e dá outros pormenores para pessoas interessadas, como eu, quererem conhecer mais. Fico a saber que os escultores Diogo Germano, natural de Borba, e João Sotero, atualmente com atelier em Arraiolos, são dois exemplos de como o mármore pode ser aplicado em trabalhos artísticos. O ouro branco também já deu tema para um livro. “A Falha” de Luis Carmelo, aborda um passeio a uma pedreira de mármore, em Vila Viçosa, onde um grupo de amigos ficam presos numa gruta. Em 2002, João Mário Grilo adaptou o livro ao cinema.
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