“Era uma vez uma senhora chamada Leonor Rosa da Silva”. A história da Fábrica do Pão de Ló de Margaride poderia começar assim.
No nº 304 da Praça da República, em Felgueiras, numa casa com as suas varandas de ferro forjado e toda revestida a azulejo verde, mantém-se o fabrico artesanal de um pão de ló com quase três séculos.
Fazer jus ao impacto que tem passar apenas a porta de entrada e subir a escadaria de madeira, ladeada pela balaustrada e vários quadros não é tarefa fácil. Ao cimo, Carlos Ferreira, apaixonado por História, estórias e por esta casa, é quem me recebe.
É impossível o coração não acelerar num lugar como este. Sobre um balcão de madeira, com tampo em mármore preto e branco, encontra-se uma balança que já terá perdido a noção de todos os quilogramas que pesou. Na pequena mesa, com uma cuidada simplicidade, a montra dos produtos aqui confecionados.
É provável que o seu fabrico seja anterior mas foi em 1730 que Clara Maria o registou tal como é hoje feito, sendo a 10ª marca mais antiga do país. Antónia Filix sucedeu-lhe e após a sua morte foi Leonor Rosa da Silva que governou a Fábrica do Pão de Ló de Margaride, elevando-a em 1888 a Fornecedora da Real e Ducal Casa de Bragança. Os dois brasões atrás do balcão de venda são disso a prova assim como o carimbo de autenticação usado no papel que acompanha os seus produtos.
Leonor Rosa da Silva, considerada como a doceira de Felgueiras, marca a sua presença num espaço privilegiado da fábrica. O seu quadro por cima da escadaria observa os muitos que mantêm a tradição de vir comprar o pão de ló de Margaride para receber convidados, em épocas festivas ou para oferta como sinal de agradecimento.
Quando entro na sala de fabrico e vejo tudo impecavelmente limpo e arrumado percebo a razão de algumas pessoas acharem que é um museu. No entanto, é aqui que desde 1900 se confeciona o que é considerado o símbolo de prestígio da cidade de Felgueiras.
Os ingredientes são os comuns do pão de ló mas doce que se preze tem um segredo. Apenas a família o sabe, vai passando de geração em geração e atualmente é Guilherme Lickfold quem “deita as contas”. A massa é colocada nas masseiras que apenas tiveram duas alterações: instalou-se o motor e alterou-se o revestimento por questões de segurança alimentar.
No interior de uma forma de barro é colocada uma tigela virada para baixo, depois duas folhas de papel onde está impresso o carimbo de autenticação e só depois a massa. Por cima é fechada com outra forma de barro. Vai a cozer ao forno a uma temperatura de 280ºC, sem nunca se abrir a porta. Arrefece destapado e inclinado de modo a haver circulação de ar.


O coração volta a acelerar quando entro no salão nobre. Não esperava um lugar que seduzisse de tantas formas os meus sentidos: primeiro o impacto visual, associado ao efeito surpresa; o cheiro é delicioso; o olhar perde-se entre tantos objetos que apetece tocar e o paladar anseia por degustar as iguarias expostas.
A história do pão de ló de Margaride cruza-se com a família real portuguesa. Na parede há um pequeno quadro com os retratos de D. Amélia e D. Carlos, que se repetem sobre a mesa. Ao fundo há uma esfera armilar e junto à janela um dos primeiros telefones de Felgueiras a partir do qual Leonor Rosa da Silva estabelecida contacto com o Brasil.
É hora de guardar o caderno, sentar e saborear uma fatia de bolo acompanhado por um cálice de vinho do Porto. O pão de ló de Margaride mantém-se fofo durante três semanas mas em caso de dúvida, Carlos Ferreira exemplifica como se atesta a sua frescura: dobra-se ao meio e se não rachar é porque ainda está fofo.
As cavacas são diferentes das que conhecia de outros pontos do país. Confecionadas com a mesma massa do pão de ló, após saírem do forno são escovadas por mãos experientes e feito o ponto de açúcar. São tão fofas que não resisti a repetir.
A Fábrica do Pão de Ló de Margaride é daqueles lugares onde sabe bem estar. A emoção de Carlos Ferreira é cativante, levando-me a viajar por quase três séculos de doces histórias. Poderia ficar horas a conversar, não fosse o tempo implacável e me obrigasse a partir.
Fábrica do Pão de Ló de Margaride, Lda
Praça da República, 304
4610-116 Felgueiras
www.paodelodemargaride.com
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